Você já deve ter se deparado com mensagens em aplicativos alertando para uma blitz policial em determinado local.
Em razão dessas mensagens, vários órgãos de fiscalização passaram a publicar a notícia de que o indivíduo que divulga informações relativas à blitz incorre no crime de atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública, preconizado no art. 265 do Código Penal, com pena de reclusão de 1 a 5 anos:
“Art. 265. Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Parágrafo único – Aumentar-se-á a pena de 1/3 (um terço) até a metade, se o dano ocorrer em virtude de subtração de material essencial ao funcionamento dos serviços.”
Divulgar blitz é crime?
Antes de qualquer afirmação, é preciso deixar claro que a abordagem aqui realizada NÃO é sob a questão moral relativa à conduta de quem avisa que está ocorrendo uma blitz. Aqui, apresentamos a versão jurídica acerca da conduta.
Feita essa ressalva, é importante salientarmos que o princípio da legalidade, com previsão no art. 1º do Código Penal, aduz que:
Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.
Bem como a Constituição Federal, no art. 5º, XXXIX:
Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Logo, para que uma conduta seja considerada criminosa, ela deve, necessariamente, estar tipificada em nosso ordenamento jurídico. Da mesma forma, a lei deve descrever o tipo penal com todos os seus elementos, de modo a não deixar dúvidas, ou seja, de maneira taxativo (princípio da taxatividade).
Dito isto, embora tramite no Congresso o Projeto de Lei nº 3.734, de 2019, da relatoria Senador Fabiano Contarato, atualmente, não há, de fato, uma lei que trate da conduta mencionada (divulgar blitz).
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por exemplo, possui algumas decisões que fundamentam a tese de que essa conduta é atípica:
HABEAS CORPUS. ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA (ART. 265 DO CÓDIGO PENAL). PLEITO VISANDO AO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. CABIMENTO. MANIFESTA ATIPICIDADE DA CONDUTA. COMUNICAÇÃO POR MEIO DO APLICATIVO WHATSAPP SOBRE A OCORRÊNCIA DE BLITZ POLICIAL. CONDUTA QUE NÃO SE AMOLDA AO TIPO PENAL IMPUTADO. ATUAÇÃO ESPORÁDICA E OCASIONAL DA POLÍCIA QUE NÃO PODE SER ENTENDIDA COMO SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA PARA OS FINS DO ART. 256 DO CP. AINDA, AUSÊNCIA DE PERIGO CONCRETO DA AÇÃO E DOLO DE FRUSTAR O SERVIÇO. ALÉM DO MAIS, PROJETO DE LEI QUE VISA PUNIR A CONDUTA QUE AINDA SE ENCONTRA EM TRAMITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE PUNIÇÃO ANTECIPADA, SOB PENA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E ANTERIORIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO. WRIT CONHECIDO E ORDEM CONCEDIDA PARA O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. (TJSC, Habeas Corpus (Criminal) n. 4014631-42.2017.8.24.0000, de Quilombo, rel. Des. Leopoldo Augusto Brüggemann, Terceira Câmara Criminal, j. 01-08-2017).
Assim, como o legislador ainda não instituiu esse crime, não é possível interpretar o art. 265 do Código Penal de maneira genérica, sob pena de serem violados os princípios da legalidade (já que não há lei definindo especificamente a conduta, mas apenas um projeto) e da anterioridade (há uma mera possibilidade de que a lei seja aprovada, porém, até lá, a referida conduta é um fato atípico).
Resumindo, para que haja crime, a lei precisa ser cristalina, no sentido de não permitir interpretações dúbias acerca da tipicidade de uma conduta. Nesse viés, não se pode fazer uma analogia in malam partem (em prejuízo do réu) do art. 265, do CP, para punir aquele que divulga blitz.
Caso contrário, seria uma banalização do Direito Penal, ramo do Direito que só deve ser acionado como última ratio, porque tem as sanções mais graves e somente deve intervir quando as outras áreas não forem suficientes.
Portanto, a conduta de divulgar blitz é atípica, seja por falta de previsão em lei (atipicidade formal), seja por falta de potencialidade lesiva (atipicidade material).