Se você já tentou recorrer de uma penalidade de suspensão do direito de dirigir ou cassação da habilitação, provavelmente seu processo foi indeferido sob o argumento de que o “não cabe questionar a regularidade do auto de infração no processo de suspensão/cassação”.
O motivo é que segundo o DETRAN, o processo de multa corresponde a uma “fase de conhecimento”, sendo este o momento adequado de discutir a regularidade da autuação e o processo de suspensão ou cassação correspondem à “fase de execução da penalidade”.
Em resumo, se a Autoridade de Trânsito que lavrou a autuação considerou que o auto de infração não tinha nenhuma irregularidade, não cabe ao DETRAN questionar essa decisão.
Só que esse tipo de conduta representa uma afronta ao direito de ampla defesa do condutor.
Isso porque não se trata de cancelar a penalidade, mas sim de analisar a regularidade do ato administrativo e, se for o caso, não admitir que uma autuação inconsistente ou irregular seja utilizada para compor o processo de suspensão ou cassação.
O que diz o Código de Trânsito Brasileiro?
O Código de Trânsito Brasileiro em nenhum momento desvincula o processo de penalidade de multa do processo de suspensão ou cassação, pelo contrário, atribui ao órgão competente (pela imposição da respectiva penalidade) a responsabilidade pelo julgamento de sua consistência:
Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I – se considerado inconsistente ou irregular;
II – se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação.
Parece evidente que o artigo 281 deve ser analisado em conjunto com o artigo 256, que prevê todas as penalidades que podem ser aplicadas:
Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades:
I – advertência por escrito;
II – multa;
III – suspensão do direito de dirigir;
IV – (Revogado pela Lei nº 13.281, de 2016)
V – cassação da Carteira Nacional de Habilitação;
VI – cassação da Permissão para Dirigir;
VII – freqüência obrigatória em curso de reciclagem.
Assim, a competência para julgar a consistência do auto de infração antes de aplicar a penalidade é da autoridade de trânsito que lavrou a autuação.
Art. 260. As multas serão impostas e arrecadadas pelo órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via onde haja ocorrido a infração, de acordo com a competência estabelecida neste Código.
Já a competência para julgar a consistência do auto de infração antes de aplicar a penalidade de suspensão ou cassação, é da autoridade de trânsito do órgão de registro da habilitação.
Resolução 723
Art. 5º As penalidades de que trata esta Resolução serão aplicadas pela autoridade de trânsito do órgão de registro do documento de habilitação, em processo administrativo, assegurados a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal.
Não há fundamentos na alegação do DETRAN de que a regularidade da autuação deve ser analisada apenas pela autoridade de trânsito que aplicou a penalidade de multa.
Em que momento, afinal, o Código de Trânsito Brasileiro atribui ao processo de multa a natureza de “processo de conhecimento” e ao processo de suspensão ou cassação a natureza de “fase de execução da penalidade”?
A resposta é: Não atribui. Isso é uma análise equivocada das autoridades de trânsito.
Conclusão
Ainda que se alegue que o DETRAN não tem competência para anular a penalidade de multa aplicada por outros órgãos, é inquestionável que ele possui a competência para anular as penalidades de suspensão e cassação decorrentes de autuação inconsistente ou irregular.
Ou seja, a multa continua intacta, porque o DETRAN não pode cancelar penalidades lavradas por outro órgão de trânsito. Porém, o DETRAN pode cancelar o processo de suspensão ou cassação desde que seja constatada a irregularidade ou a inconsistência da autuação.
Aliás, esse entendimento já encontra inúmeros precedentes em nossos tribunais, dentre os quais, cito:
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVO. CNH – CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO. SUSPENSÃO. PONTOS NO PERÍODO DE UM ANO. Preliminar – Alegação de ilegitimidade passiva. Inocorrência. Processo administrativo de competência do impetrado, que se sujeito aos efeitos advindos da sentença.
Preliminar rejeitada. Mérito –Reconhecida a nulidade de uma das autuações. Caso em que a notificação foi enviada ao impetrante contendo erro quanto ao horário da autuação, pois informado horário inexistente, qual seja, 33h00. Impetrante que somente tomou conhecimento do correto horário da multa que lhe fora imposta, depois de ultrapassado o prazo de 30 dias da notificação, o que impossibilitou o exercício de seu direito de defesa, no âmbito administrativo.
Excluída esta multa, não foram atingidos vinte pontos durante um ano, não sendo possível, por este motivo, a suspensão do direito de dirigir do impetrante. Inteligência do art. 280 e seguintes do CTB e Súmula 312 do STJ. Segurança concedida na origem. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJ-SP – APL: 10000595920158260320 SP 1000059-59.2015.8.26.0320, Relator: Djalma Lofrano Filho, Data de Julgamento: 08/07/2015, 13ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 28/07/2015)
Se for para manter a penalidade mesmo sabendo que a autuação está irregular, só porque o auto de infração foi lavrado por outro órgão, não há necessidade de instaurar o processo administrativo e oferecer prazo para o condutor se defender, pois a decisão final já foi pronunciada de antemão.
Essa atitude do DETRAN, além de ilegal, é imoral, vergonhosa e indecente, pois coaduna com um ato irregular praticado por outro órgão de trânsito e ainda aumenta a penalidade ao condutor com a suspensão ou cassação de sua CNH.
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