O caput do art. 280 do Código de Trânsito Brasileiro determina que ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, deve ser lavrado auto de infração. O referido dispositivo ainda estabelece quais informações devem constar no AIT.
Esse comando normativo deixa claro que se trata de um ato administrativo de natureza vinculada, ou seja, para o Agente da Autoridade de Trânsito não há opção, ao presenciar o cometimento de uma infração, senão proceder com a autuação – sob pena de, a depender das circunstâncias, incorrer no cometimento do crime de prevaricação, tipificado no art. 319 do Código Penal.
Direito de Defesa
Entretanto, aquele que foi autuado pode e deve exercer seu direito de defesa no processo administrativo de trânsito que será instaurado, pois se trata de uma garantia constitucional, como se observa no art. 5º, LIV e LV, da CF/88.
Além disso, algumas normas tratam de procedimentos, a exemplo das resoluções 619/2016 e 723/2018, ambas do Conselho Nacional de Trânsito, que dispõem do processo para aplicação das penalidades de advertência por escrito e multa e de suspensão e cassação do direito de dirigir, respectivamente.
O Auto de Infração de Trânsito (AIT)
De acordo com a Resolução nº 619/2016 do CONTRAN, o auto de infração de trânsito é o documento que dá início ao processo administrativo para imposição de punição em decorrência de alguma infração à legislação de trânsito.
Convém destacar a Portaria nº 59/2007 do Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN, que estabelece os campos de informações que deverão constar do auto de infração, os campos facultativos e o preenchimento, para fins de uniformização em todo o território nacional.
Essa norma já sofreu algumas modificações, sobretudo em seus anexos que tratam dos códigos de enquadramento das infrações.
AIT como peça acusatória
Apesar do AIT ser a “peça acusatória”, aquele que foi autuado tem o direito de ter acesso a essa informação para que possa se manifestar em uma eventual defesa ou recurso, ou ainda, questionar judicialmente se for o caso. No entanto, nem sempre uma via do auto de infração é disponibilizada ao infrator.
O Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito – Volume I, regulamentado pela Resolução nº 371/2010 do CONTRAN, em suas disposições gerais estabelece que o AIT deverá ser impresso em, no mínimo, duas vias, exceto o registrado em equipamento eletrônico.
Sendo assim, uma via será utilizada pelo órgão ou entidade de trânsito para os procedimentos administrativos de aplicação das penalidades previstas no CTB e a outra via deverá ser entregue ao condutor, quando se tratar de autuação com abordagem, ainda que este se recuse a assiná-lo.
No caso da autuação de veículo estacionado irregularmente, sempre que possível, será fixada uma via do AIT no para-brisa do veículo e, no caso de motocicletas e similares, no banco do condutor.
Em último caso, na hipótese do Agente não ter disponibilizado uma via do auto de infração, como por exemplo, nos casos de infração em que não houve abordagem, o infrator pode solicitar a cópia do AIT junto ao órgão autuador, pois assim como o devido processo legal, o direito ao contraditório e a ampla defesa, a obtenção desse tipo de informação tem guarida constitucional, conforme previsão do art. 5º, XXXIII e XXXIV, da CF/88.
Prazo para acesso ao AIT
Inclusive, existe prazo para que seja disponibilizada a cópia do auto de infração, como se observa no art. 1º da Lei nº 9.051/95:
As certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações, requeridas aos órgãos da administração centralizada ou autárquica, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverão ser expedidas no prazo improrrogável de quinze dias, contado do registro do pedido no órgão expedidor.
Por se tratar de informação essencial para a defesa de direito daquele que cometeu a infração, a norma deve ser considerada.
Negativa de acesso ao AIT
Lamentavelmente alguns órgãos não disponibilizam no prazo estipulado, podendo configurar, a depender das circunstâncias, um verdadeiro óbice à defesa, pois parece um tanto questionável se defender de algo no qual não se tem conhecimento pormenorizado do seu teor.
Também existem casos de órgãos de trânsito que cobram taxa para disponibilizar a cópia do auto de infração, em verdadeiro descompasso com o art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal, citado anteriormente e reproduzido a seguir:
“são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”.
O AIT como peça de defesa
De posse da cópia do auto de infração, aquele que deseja apresentar defesa ou interpor recurso pode fazer uma análise quanto à consistência e regularidade do ato administrativo produzido pelo Agente da Autoridade de Trânsito, considerando as normas que norteiam o processo administrativo, em especial as que mencionamos e também a respectiva ficha de enquadramento constante no Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, regulamentado pelas resoluções 371/2010 e 561/2015, ambas do CONTRAN.
Havendo algum aspecto material ou mesmo um vício formal capaz de arquivar o AIT, este deve ser devidamente apontado na argumentação a ser construída na defesa ou no recurso, observado ainda o que determina a Resolução nº 299/2008 do CONTRAN, que dispõe sobre a padronização dos procedimentos para apresentação de defesa de autuação e recurso, em 1ª e 2ª instâncias, contra a imposição de penalidade de multa de trânsito.
Interrupção do processo administrativo
Restando claro o vício formal ou a ausência de fato do cometimento da infração, cabe ao julgador tão somente proceder com o arquivamento do auto de infração e o encerramento do processo administrativo sem a aplicação da penalidade correspondente. Do contrário, estaremos diante de uma ação tendenciosa e, a depender das circunstâncias, até mesmo ilegal por parte daquele que fez o julgamento.
A lei é para todos
É importante frisar que a norma aplica-se tanto ao particular que comete a infração quanto a Administração Pública, como se depreende da leitura do Capítulo II do CTB, que exige dos órgãos de trânsito o cumprimento da lei antes mesmo de fazer cumpri-la.
Nesse sentido, os ilustres Ordeli Savedra e Josimar Amaral (Processo Administrativo de Trânsito, 2018, p. 48) esclarecem: “Imperioso salientar a legitimidade dos requisitos essenciais quando da lavratura do auto de infração, considerando as disposições normativas que subsidiam tanto a autoridade de trânsito na imputação da penalidade, quanto o infrator no exercício da ampla defesa e contraditório”.
Conclusão
Em síntese, aquele que comete uma infração de trânsito deve ser autuado e adequadamente punido nos termos da lei, mas para tanto, deve ser ofertado o direito ao contraditório e a ampla defesa no curso do devido processo legal, considerando o conjunto normativo.
Havendo inobservância por parte do órgão de trânsito de algum requisito para aplicação da penalidade, a exemplo de um vício formal devidamente comprovado no auto de infração, a sanção não deve existir em respeito à segurança jurídica e a aplicação justa do Direito.
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